Pensamento

"A história é a verdade que se deforma, a lenda é a falsidade que se encarna." Jean Cocteau

sábado, 9 de março de 2019

A Fortificação de Monção e a Lenda de Deuladeu:

A Fortificação de Monção

Portas de Salvaterra, Fortaleza de Monção
Bilhete Postal de 1955, Edição da Zona de Turismo das Caldas de Monção
Fotografia de Domingos Alvão, data anterior a 1946.

A província do Minho seria povoada nos mais recuados tempos da pré-historia, prova disso são os artefactos encontrados relacionados com as civilizações do paleolítico, neolítico e idades dos metais. A origem de Monção não é muito clara, estima-se que pela sua localização geográfica, limitada a norte pelo Rio Minho, que a separa de Espanha, a leste pelo município de Melgaço, a sul por Arcos de Valdevez, a sudoeste por Paredes de Coura e a oeste por Valença, seja certamente muito anterior a formação do país. Todavia só começa a ganhar algum protagonismo com a estratégia política de D. Afonso Henriques para o Alto Minho, cujos documentos incidem sobre os castelos de Pena da Rainha, Froião, Valadares e Melgaço.

Trecho das Muralhas e Margens do Rio Minho
Bilhete Postal s/d, Editora Foto Ideal, Monção.

A afirmação da vila de Monção aparece no reinado de D. Sancho I, a primitiva povoação existente por esta altura vê crescer em seu redor uma fortificação, hipótese não confirmada objetivamente, os historiadores estabelecem um paralelismo a outros castelos e fortificações emergentes pelo país correspondendo a uma consolidação dos efectivos populacionais do reino. 

Trecho do Amuralhado Vauban, Fortaleza de Monção
Bilhete Postal de 1955, Edição da Zona de Turismo das Caldas de Monção

Com maior certeza histórica foram as acções de D. Afonso III, nas Inquirições ordenadas por este em 1258, Monção aparece já como vila, facto que levou alguns autores a sugerirem que a fundação da localidade tenha sucedido nesta altura.

Aspeto Atual das Muralhas do Forte e da Vila de Monção
Foto de autor e data não identificados.

Estima-se que a fortificação tenha sido concluída em meados do século XIII, o Carta de Foral, passado a 12 de Março de 1261, permite inferir que a vila já estaria fortificada, ao referir os miles de Monçom, o que também é questionado por alguns estudiosos, sob o argumento da escassez demográfica da região à época.

Vista Sobre o Rio Minho e Salvaterra, Fortaleza de Monção
Bilhete Postal, n.º 22, Edições Panorama, c. 1960.

No que concerne a tipologia do castelo, não há dúvidas de que é gótica, com o seu perfil ovalado, a torre de menagem associada a uma das portas e o carácter ortogonal dos seus arruamentos. Das muralhas mediavas construídas no tempo de D. Dinis, que entre 1305 e 1308 patrocinou a reforma integral da fortaleza, resta apenas um trecho junto ao passeio dos Néris integrado na nova fortaleza. 

Rua Direita, Fortaleza de Monção
Bilhete Postal de 1955, Edição da Zona
de Turismo das Caldas de Monção
Fotografia de Domingos Alvão, data anterior a 1946.

Composto por duas portas, uma principal, defendida pela torre e outra mais pequena, que levava à zona ribeirinha, a malha urbana interna era atravessada pela rua direita, que colocava em comunicação as duas entradas e a igreja matriz também construída no início do século XIV. Por sua vez, outros arruamentos cruzavam a rua principal, definindo-se, assim, uma tendência urbanística ortogonal, à semelhança do que aconteceu com outras povoações ribeirinhos como Caminha.

Vista do Baluarte do Suoto, Fortaleza de Monção
Foto SIPA, 2005.

Anos de desenvolvimento económico e demográfico se avizinharam e a povoação prosperou, sendo que no reinado de D. Fernando (1367-1383), na sequência da guerra com os castelhanos, estes invadem Portugal e fixam-se em Monção, o castelo foi sitiado pelo exercito às ordens do rei  Henrique II de Castela, por volta de 1369 um retrocesso atinge a região.

Porta do Paiol, Fortaleza de Monção
Foto SIPA, 2005.

Com a morte de D. Fernando, vivem-se dois anos de intensa crise e os homens bons de Vila Nova de Cerveira, Caminha e Monção enviaram mensagens ao Condestável D. Nuno Álvares Pereira, declarando-se verdadeiros portugueses e entregando-lhe voluntariamente essas povoações e seus castelos. No século XV, em altura ainda desconhecida, mas que pode corresponder aos melhoramentos ordenados por D. João I, construiu-se uma couraça a envolver a antiga muralha dionísio, uma espécie de muros paralelos que defendiam os acessos ao núcleo das muralhas, as atualizações da arquitetura militar eram constantes numa tentativa de acompanhas os exigentes desenvolvimentos da arte da guerra.

Baluarte de Nossa Senhora da Conceição, Fortaleza de Monção
Foto de autor e data não identificados.

Mas a grande reforma militar de Monção teria lugar no século XVII, na sequência nas novas táticas de guerra na utilização de artilharia móvel que exige fortificações com estruturas de outro tipo, um técnica de defesa designada por "Vauban" que lhe deu a forma estrelada e de fortaleceu as muralhas,as obras iniciaram-se em 1656, sob projeto do engenheiro militar Miguel de l'Escole, condução do mestre João Alves do Rego. 


Baluarte de Nossa Senhora da Vista
Foto SIPA, 2005.

Os trabalhos de fortificação foram concluídos no inicio do século XVIII, sob direção do engenheiro Manuel Pinto Vilas-Lobos, e do conde de Lippe, na década de setenta do mesmo século.

Baluarte de São Luís e Guarita
Foto SIPA, 2005.

As velha muralhas que delineavam a praça de guerra, seriam reformuladas, em particular a frente para o rio Minho, na base esteve o projeto de raiz que visou proteger a moderna vila de Monção, que há muito se havia expandido para alem do núcleo medieval.

Postigo das Caldasa, Fortaleza de Monção
Foto SIPA, 2005.

Com nove baluartes, a maior parte dos quais em cunha, e cinco portas, de salientar a de Salvaterra, que contém as armas nacionais, e que permanece intacta, o novo perímetro muralhado previu a inclusão de amplos espaços de manobra, que ainda hoje permanecem não edificados, o que permitia uma maior mobilidade e racionalidade na movimentação e disposição das tropas, ao mesmo tempo que instituía uma nova centralidade interna, marcada pelo rossio, largo onde, nos anos seguintes se construiu o Pelourinho e a Igreja da Misericórdia.

Cortina Interrompida pela Abertura da Avenida das Caldas
Foto SIPA, 2005.

Ainda no século XIX, na sequência da abertura de novas artérias da vila a fortaleza com um perímetro aproximado de 1500 metros, viria ser gravemente mutilada para abertura de estradas de passagem para o Caminho de Ferro, como a estação no interior da Vila.

Casamatas Ladeando Porta do Rosal, Fortaleza de Monção
Foto SIPA, 2005.

Foi classificado Monumento Nacional por Decreto de 16 de junho de 1910, no primeiro quartel do século XX procederam a algumas obras de restauro dos Monumentos Nacionais no troço de fronte para o Hospital, correspondente à zona de Néris.

Arco de Valdavez, Fortaleza de Monção
Foto de autor e data não identificados.

Hoje é possível percorres praticamente todas as muralhas intactas e duas das cinco portas iniciais mesmo as partes que foram rasgadas para estabelecer vias de comunicação foram assegurados passadiço para permitir que a visita às muralhas seja efetuada sem interrupções.

Planta da Fortaleza de Monção - 1802
Legendas: 
A - Baluarte de S. Bento
B - Baluarte de N.ª Sr.ª da Conceição
C - Baluarte de S. Pedro (Souto)
D - Baluarte de St.º António (Cova do Cão)
E - Baluarte de S. João (Terra Nova) 
F - Baluarte Nª. Sr.ª da Guia 
G - Baluarte de S. Luíz (Salvaterra) 
M -Baluarte de S. José 
H - Baluarte de Nª. Sr.ª da Boavista 
N - Baluarte de Nª. Sr.ª do Loreto 
I - Baluarte de S. Francisco 
L- Baluarte de S. Felipe (Néris) 
X -Caldas 
Z – Palheiro 
1 - Porta do Sol 
2 - Porta das Caldas ou Fonte da Vila 
3 - Porta de S. Bento 
4 - Porta de Salvaterra 
5 - Porta do Rosal 
6 - Quartel Cavalaria para 120 Cavaleiros 
7 - Casa do Governador 
8 - Convento de St.º António 
9 - Igreja Matriz 
10 - Misericórdia 
11 - Capela da Sr.ª do Loreto 
12 - Convento dos Congregados 
13 - Quartéis para 600 a 700 homens 
14 - Armazém 
15 - Armazém de pólvora 
16 - Cerca do arruinado Convento de Freiras


A lenda do Castelo de Monção e da Deuladeu Martins;


Brasão Municipal de Monção.
Gravura da obra As Cidades e Villas da
Monarquia Portugueza que Teem Brasão d'Armas
(III vols., 1860-62; data na capa do vol. I, 1865),
de Inácio de Vilhena Barbosa (1811-1890).
Foto In blogdaruanove.blogs.sapo.pt/:

No auge das guerras entre D. Fernando I de Portugal e Henrique II de Castela, o castelo de Monção foi sitiado pelo exercito castelhano comandado por Pedro Rodrigues Sarmento da Galiza, toda a vila de Monção é cercada após muitos dias de combate.

Praça Deu-la-deu, Monção
Bilhete Postal n. 5, Edição SNI, Coleção Panorama, s/d.
Também conhecido como Terreiro, onde se realizam grandes
concentrações populares, particularmente as que assinalam as
festas em honra do Corpo de Deus e Nossa Senhora das Dores.
Por outras palavras representa o "centro cívico da população".
Foto anterior a calçada portuguesa que hoje reveste a praça.

Depois de vários dias cercados, os mantimentos começam a faltar, só resta a rendição e entregar o castelo aos castelhanos. Foi então que uma ideia imerge da fraqueza transformando-a no instrumento de ações grandiosas, inspirada, uma mulher Deuladeu Martins, esposa do capitão-mor daquela vila, Vasco Gomes de Abreu, uma dessas mulheres que a História nos aponta como exemplo, perante a inutilidade das armas e a dominância da fome que evidenciava a fragilidade dos homens que valentemente resistiam à tomada do castelo pelos castelhanos, perante as ultimas porções de farinha insuficiente para reverter a fome que abundava na praça, põe em pratica um arrojado plano, sabendo que também aos inimigos começava a escassear o pão, pega da farinha, manda-a amassar e cozer, e, depois, enchendo um cesto com os pães que ela produzira, sobe às muralhas, e daí os lança aos Castelhanos, dizendo-lhes:

A vós, que não podendo conquistar-nos pela força das armas, nos haveis querido render pela fome, nós, mais humanos, e porque, graças a Deus, nos achamos bem providos, vendo que não estais fartos, partilhamos o pão que abunda nas provisões do castelo, e vos daremos mais, se o pedirdes.

Brasão de Armas da Vila de Monção
Tal como se encontra no Livro de Brasões das Cidades e Vila,
Trabalho da autoria do Rei de Armas Índia, Francisco Coelho, 1675.
A letra e desenho "tosco" do brasão conjugam-se para expressar
que a localidade heraldicamente representada era uma povoação de
habitantes entregues a agricultura em território sujeito a ataques
do inimigo e só poderia viver e prosperar da fortaleza.

Os Castelhanos, vendo ali os pães frescos e saborosos, ficaram tão desconcertados com esta acção, crentes de que a praça estava abundante de mantimentos, devoraram-nos num instante para logo levantarem cerco desesperançosos de conseguir entrar na vila.

Estátua de Danaíde, em Monção.
No brasão, pode-se ver a figura de Deu-la-deu
Foto de Nmmacedo em 2010.

Em reconhecimento deste feito os moradores ergueram uma estátua a Deuladeu Martins e eternizaram a sua memória incluindo a sua representação nas armas da vila, figuradas no Brasão de Monção.

Observações:



A aproximação ou utilização de fatos históricos na descrição da lenda tem gerado grande controvérsia e indignação por parte dos historiadores, António Moraes Reis, Centro de Estudos Regionais, Viana do Castelo, explica que " A designação de terra de Deuladeu é um disparate, visto que nada diz. A tão estafada Deuladeu, está provado, com investigações sérias e com documentos, que não existiu. Não existiu como pessoa nem existiu o apregoado cerco de Monção, onde se diz que ela se notabilizou."

Com efeito existem semelhança com outras lendas também associados a feitos protagonizados por mulheres, como é exemplo de Abedim e o Castelo da Penha da Rainha. Generalizam-se um pouco por toda a Europa medieval contos de feitos heróicos, astutas proezas de causar intimidação e vergonha à engenharia militar, cujo relatos carecem de fundamentação evidente. Também os pães são convertidos em outros alimentos  como vacas ou trutas gigantes, etc.

Personagens do Filme "Cálice Sagrado" de 1975

Na verdade esta sabedoria popular vigorava por toda a Europa até no celebre filme "Monty Python e o Cálice Sagrado", uma sátira a diversos acontecimento da idade média em que o Rei Arthur sai em busca do Calice Sagrado, num dos episódios uma vaca é jogada das muralhas de um castelo, simbolizando a fartura de mantimentos, como resposta ao inimigo que havia montado cerco em volta do castelo.

Os historiadores apontam uma razão comum ao aparecimento de lendas associadas a fatos históricos, o principio comum converge para a modelação das realidades menos favoráveis da história das regiões e até países, uma forma de desvalorizar os feitos que menos enaltecem a história e o orgulho das populações.

Fontes:
Uma Monografia de Monção, ROCHA, J. Marques, Edições ASA, 1988;
Fortaleza de Monção, Direção Geral do Património Cultural, 2011;
Sistema de Informação Para o Património Arquitectónico;Noé, Paula 1992-2008; 
Castelos de Portugal; Roteiro e Lendas; Volume 1, Parafita, Alexandre, 2018;

sábado, 23 de fevereiro de 2019

O Castelo de Vila Viçosa e a Lenda da Bruxa do Castelo

O Castelo de Vila Viçosa;


Torre de Menagem do Castelo de Vila Viçosa, exterior à muralha,
Antes da intervenção do Engenheiro Duarte Pacheco,
Foto de 1942, in SIPA(editada)

Localizado na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, a mesma onde foi edificada uma Igreja em sua honra, a imagem foi oferecida por D. Nuno Alves Pereira em 1385, após a vitória portuguesa contra os Castelhanos em Aljubarrota, viria a ser proclamada Padroeira de Portugal, por D. João IV  em 1646, a partir de então, não mais os monarcas portuguesas da Dinastia de Bragança voltaram a colocar a coroa real na cabeça. 

Imagem da Nossa Senhora da Conceição,
Procissão saída do Castelo de Vila Viçosa,
Publicada por Dnevnik Najedine,
Foto da década de 1950(editada).

Hoje  na denominada União de Freguesias de freguesia de Nossa Senhora da Conceição e São Bartolomeu no concelho de Vila Viçosa, próximo à vertente nordeste da Serra de Ossa, ergue-se o Castelo Medieval, um exemplar de arquitetura militar, nos estilos gótico, quinhentista e seiscentista, de enquadramento urbano, isolado, coroado numa colina em posição dominante sobre a vila, defendida naturalmente pela Ribeira de Ficalho e pela ribeira do Carrascal, afluentes do rio Guadiana. 

Torriões circulares da Porta de Évora,
Ao fundo a as novas ameias da Torre de Menagem,
Foto da DGEMN, 1974 (editada)

Na reconquista cristão de alcácer do Sal, a região passa para os domínios de Sancho II, em 1270 recebe pelas mãos de Afonso III a primeira carta de foral, com esta deixa de ser denominada "Vale Viçoso" e passa a "Vila Viçosa", apesar de ter ascendido concelho alguns anos antes.

Gravura, Alain Manesson Mallet (1630–1706),
 "Les Travaux de Mars ou l'Art de la Guerre",
Data 1696. Acervo: Peace Palace Library.

O Castelo de Vila Viçosa como o vemos hoje é o produto  de três núcleos sobrepostos e de épocas diferentes. 

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 7, Muralhas de D. Dinis,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Castelo  e a Cerca Medieval de Vila Viçosa, foram mandados construir por D. Afonso III e concluído por D. Dinis ainda no século XIII. Por volta de 1290 estima-se que estivesse concluída a cerca da vila, rasgadas por três portas, a do Sol, a de Estremoz e a de Évora, franqueadas por cubelos, que harmonicamente às definiam.

Porta da Cerca exterior do Castelo
Foto de 2010, in guiadacidade.pt

Já pela mão de D. Fernando I, em finais do século XIV, a exemplo do que fez em outros castelos, procedeu a importantes melhorias na fortificação e mandou abrir a sudoeste da cerca a Porta da Torre. No contexto da 3.º Guerra Fernandina, Vila Viçosa tornou-se o quartel-general das operações. 

Gravura alusiva ao agradecimento de Nuno Álvares Pereira
a Nossa Senhora da Conceição pela vitória sobre Castela,
Autor e data não identificados.

No reinado de D. João I, os domínios de Vila Viçosa são doados ao Condestável do Reino, D. Nuno Álvares Pereira, em recompensa pelos serviços prestados na guerra castelhana, da qual em 1400, resulta o reconhecimento por Castela de D. João I como rei de Portugal. Vila Viçosa fica intimamente ligada a família Bragança, antes mesmo de esta ser a família Real em Portugal, quando era "apenas" a casa nobre mais poderosa do país.

Foral de D. Manuel I,
Coordenação, Introdução e Notas,
Manuel Inácio Pestana, 1993.

No início do século XVI, pelas mãos de D. Manuel I, Vila Viçosa recebe novo foral e entre 1515 e 1520 e por iniciativa de Jaime de Bragança inicia-se a construção de uma nova cerca no exterior da vila, envolvendo a antiga e incorporando o Novo Paço Ducal e os principais mosteiros, como consequência demoliram-se casas no interior da muralha medieval, parte do castelo e da cerca velha entre as portas de Évora e as do Sol.

Fortificação do Castelo de Vila Viçosa visto de Noroeste,
No interior os edifício mais recentes onde funcionam os museus,
Foto da DGEMN, 1974 (editada)

Entre 1525 e 1537, a construção cujo progeto atribuído a Diogo ou Francisco de Arruda, com algumas reservas uma vez que existem autores que defende que o projeto possa ter sido da autoria direta de arquitetos italianos, que na sequência do reinado de D. Filipe I, abundavam na Península Ibérica, certo é que o castelo foi transformado numa fortaleza de artilharia preparada para os desafios pirobalistica, as novas estruturas são pensadas de forma a dar resposta ao movimento das novas artilharias. De gosto e influência italianos, semelhante a uma planta de Leonardo da Vince, parecido com um castelo norueguês mandado construir por um bispo que vivei em Itália e ainda partilha algumas semelhanças com o castelo de Évora Monte, que terá sido projetado pelo mesmo arquiteto e com as mesmas influencias.

Planta de Vila Viçosa, 1 de janeiro de 1763,
Situation des stadt und fortificacion der citadel von Villa Viçosa,
Fonte. Centro de Informação Geoespacial do Exercito

O castelo fortificado, que se encontra dentro da cerca medieval da vila, apresenta uma planta quadrangular, dotada de dois potentes torreões semi-circulares em ângulos opostos. Isolado por um fosso seco, apresenta muralhas compactas e levemente inclinadas, coroadas por um parapeito corrido e rasgado por canhoeiras de vãos generosos. Desta forma, a sua silhueta afasta-se claramente dos castelos de tradição medieval, aproximando-se do perfil das fortificações modernas.

Potra do Cerco do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de 2018,  In vortexmag.net

No contexto da Dinastia Filipina (1580-1640) Vila Viçosa era sede da maior corte ducal da península Ibérica.

Porta do Cerco do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de Tiago Passão Salgueiro, 2015

Na Guerra da Restauração em 1640, João II de Bragança é encorajado por um grupo de conspiradores a aceitar o trono de Portugal, inicia-se assim a Dinastia dos Bragança com Ascenção ao trono de D. João IV e a definitiva independência de portugal. Ironicamente é aprtir dessa data que Vila Viçosa perde protagonismo com a inevitável transferência da família para o paço da Ribeira em Lisboa.

Fortificação do Castelo de Vila Viçosa visto de Este,
Aspeto anterior as obras realizadas na década de 1940,
Foto da DGEMN, 1942 (editada)

Na sequência da guerra que conduziu à definitiva independência de Portugal, o castelo e as muralhas da vila, foram objecto de uma grande reforma repartida por duas fases, ambas resultantes dos projetos do arquitecto francês Vauban: a primeira iniciou-se em 1643 e foi comandada por Pascásio Cosmander; a segunda é o produto da acção do conde de Schomberg, na década de 60. Derradeira intervenção no perímetro muralhado, esta última etapa contou com a construção de revelins e fortins que envolvem a estrutura medieval e também parte da cidade baixa, numa perspectiva defensiva bem diferente e abrangente da que animou as duas anteriores fases de definição deste conjunto militar, viria a ser crucial para repelir o assalto das tropas espanholas em 1665.

Muralhas do Castelo de Vila Viçosa,
Foto da DGEMN, 191? (editada).

No contexto da Guerra da Sucessão Espanhola, um levantamento pelo Estado dos Instrumentos Militares em 1762, indicava graves falhas na estrutura das muralhas que permitiam o acesso facilitado, muro antigo da porta dos Remédios,  os postos e trilhos das rondas derrubados, a trincheira à volta da vila estava derrubada salvavam-se as quatro portas da vila que acresciam de  poucos conserto e estavam capazes de servir, talvez porque os acesso eram em parte efetuados pelas muralhas derrubadas.

Paço Ducal de Vila Viçosa,
Foto de 2015, in ruralea.com.

As célebres demolições para aproveitamento dos matérias para novas construções não era comportamento da exclusividade dos civis, neste caso em 1777 a Casa de Bragança mandou demolir o troço da cerca nova no rossio de São Paulo, para ampliação do Paço Ducal.

Porta principal do Castelo Artilheiro, Forte do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de 2006, in SIPA(editada)

Ainda no século XVIII procedeu-se a substituição da ponte levadiça da porta principal por uma de alvenaria, sobre abóbada.  Distingue-se também o facto de este castelo ser o único em Portugal
que conserva ainda uma porta de entrada principal com passadiço que assegurava a passagem da artilharia e cavalaria e de portilho para peões, que apresenta ainda uma ponte levadiça de madeira com um mecanismo de ferro enferrujado, sobre o fosso.

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 35, Vista parcial e Paço Ducal ao fundo,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Na sequência da Guerra Peninsular, face a vulnerabilidade do castelo, este foi saqueado por várias vezes, obrigando a casa de Bragança a efetuar obras de concertos e melhorias, que acabariam por acontecer entre 1821 e 1827.

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 34, Muralha de D. Dinis, Porta de Olivença,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Depois de quase trinta anos nas mãos do Regimento da Cavalaria,em 1852 o castelo retornou às mãos da Casa de Bragança que perante tentativas de assaltos  policiou o castelo durante vários anos.

O Castelo e Muradas de Vila Viçosa,
Postal n.º 27, Um Aspeto Exteriro do Castelo,
Edição Passaporte Loty, Data 1952.

Em 1868, a casa da guarda da Porta de São Sebastião da cerca nova foi demolida para abertura da estrada municipal de São Romão, em 1885 procedeu-se a substituição da ponte de acesso à Porta de Armas por outra, de alvenaria no ano seguinte a construção do cemitério junto à Igreja Matriz sacrificou a Porta de Elvas.

Vila Viçosa, vista aérea sobre o Castelo Artilheiro,
 Francisco Piqueiro / Foto Engenho 2007, in SIPA.

Hoje, na área envolvente ao castelo encontramos algumas ruínas, arcos isolados e escadas sem destino, no interior da muralha, conserva-se grande parte da antiga vila, com ruas retilíneas que se cruzam ortogonalmente, erguendo-se sensivelmente no cruzamento dos dois eixos principais, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, separando-se da cerca virada a Noroeste.

Torre de Menagem do Castelo e Pelourinho de vila Visosa,
Autor, N/I, data de 1982.

Mesmo aos pés do torreão, a Sudoeste da fortificação, onde foi interrompida a cerca da vila, fica a Porta de Évora, a porta principal, interceta um eixo que coincide com a disposição da Praça do Município, um pouco mais à esquerda junto da cerca, mas do lado de fora, encontramos a torre de menagem que se faz acompanhar pelo Pelourinho, no lado oposto, dentro da cerca mantém-se o cemitério, onde podemos encontra o túmulo da uma célebre escritora portuguesa, Florbela Espanca.

Foto das obras de requalificação e reconstrução das muralhas
Entre o torreão da Porta de Évora e a Fortaleza,
Foto da DGEMN, 1933 (editada)

A par do que aconteceu com a reabilitação, na sequência das classificações de monumentos, em meados do século 20 foram introduzidas obras de restauro, que visaram a reintegração das caraterísticas medievais do castelo e de grande parte da estrela. O Projeto de a cargo do Engenheiro Duarte Pacheco levou ao descongestionamento da cerca velha e à demolição de grande parte do sistema tenalhado para a construção da avenida e arranjo urbanístico.

Porta da Cerca do Castelo de Vila Viçosa,
Foto de Daniel Vilas Boas, 2013

Classificado como Monumento Nacional desde 1910, é propriedade da Fundação da Casa de Bragança, nele funcionam o Museu da Caça e o Museu de Arqueologia da Fundação conserva também no seu interior a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

Torreões semi-circulare do Castelo Artilhado,
Foto de José Manuel Netas, 2016.

Vila Viçosa candidatou-se em 2018 a aprovação de Património Mundial da UNESCO, candidatura estará em aprovação até 2020.

Porta de Évora do Cerco do Castelo de vila Viçosa,
Foto de Violante Freire, 2015.


A Lenda da Bruxa do Castelo de Vila Viçosa;


Quadro "Mulher com um xaile, Luto"
 Vincent Van Gogh (1853-1890)

Nos finais do século XIX, existiu uma velha, Maria Gertrudes, criada de recados, que a mandado da sua senhora percorria as ruas vielas da vila sobre insultos da da população.
Consta-se que esta fora vista já noite a dentro, nas ameias do castelo, agitando um candeia acesa, sobre a antiga porta de Elvas, mesmo junto do cemitério, voltada para Espanha.

"O Turno da Noite"
Foto editada

Quando surpreendida por tais propósitos, naquela noite fria e escura, a velha que trajava uma tecida negra, com um pequeno xaile na cabeça, aberto sobre os ombros e uma cruz no peito, desculpou-se dizendo que procurava por uma tesoura que havia perdido nessa mesma tarde.
A história não convenceu a população que rapidamente associou o estranho comportamento a relações com o demónio, acusando-a de más crenças e da prática de bruxarias.

Quadro  "Cabeça de uma camponesa
com laço de renda esverdeada"
Vincent Van Gogh 1885

Não dispensada dos seus afazeres, a velha de olhos pesados e tristes marcados por uma face enrugada e envelhecida, arrastando as chancas pelo mercado perante os olhares e comentários pautados pela falta de discrição propositada, Maria Gertrudes continuou nos seus afazeres, limitando-se a uma mudez confrangida perante as acusações e insinuações de que era alvo.

Interiores da casa com as
mulheres nas pinturas,
ensaios de Vincent van Gogh, s/d.

Refugiada nas suas lembranças de mocoila, do homem que desposou, do nascimento do seu filho, das lembranças das casa fidalgas onde servira, do Tomé de Sousa, dos Machados ou dos Matos Azambuja, das recordações dos arraiais dos Capuchos e do S. Mateus e das modas que cantava por esse tempo.

Interiores da casa com as
mulheres nas pinturas,
ensaios de Vincent van Gogh, 1885.

O Filho Manuel Pardais, passou a ser a sua única preocupação, não sendo desta a sua origem mas de franca aplicação, já diz o ditado "Rebeubéu, pardais ao ninho" denota bem a importância atribuída aos comentários e interpelações de que esta era alvo pela população.

Interiores da casa com as
mulheres nas pinturas,
ensaios de Vincent van Gogh, 1885.

Morava numa pequena casa na Corredoura, não passava bem e uma vezes pior, entretinha a fome com uma côdea  e duas negrilhas tiradas da tarefa, às quais juntava a humilhação das acusações que enfrentava quando saia a rua.
- Bruxa! Pobre de mim que não sei o que isso é! – dizia para com os seus botões.
Pobre mulher metida nos seus afazeres, levava a vida a trabalhar na ânsia de ganhar as sopas, reclinada e submetida a tais humilhações receosa de que algo pior pudesse advir.

Quadro  "Cabeça de uma camponesa
com laço de renda esverdeada"
Vincent Van Gogh 1885

Conhecedora dos sacrifícios da lavoura nesta terra de mármore e de olivais, homens ganhavam a vida com a foice ou a gadanha nas mãos, tratando das mondas, da cortiça e de alampio. 
Num tempo em que a miséria prevalecia, deitava contas á vida e lembrava-se das histórias das feitorias alcançadas no contrabando da raia. Mercadorias clandestinas que trouxeram para alguns proventos certos e fortunas consideráveis.

Quadro  "Mulher arrancando batatas"
Vincent Van Gogh 1885

O Contrabando ganhava força junto das povoações fronteiriças que embora, conhecedoras das punições das transgressões,  viviam com a ideia de abandonar a miséria e proporcionar à família uma dignidade que nunca ambicionara para si. A miséria despoletava um vai e vem fronteiriço, que os mais destemidos disputavam, indiferentes ao perigo, verdadeiros
heróis desse tempo, arriscavam nas aventuras, para fugirem às balas certeiras das autoridades.


Quadro "Retirantes",
Candido Portinari 1944.

O Filho de Maria Gertrudes, Manuel de Pardais, depois de constituir família , havia side empurrado para o contrabando, pretendia fazer fortuna, trazendo trazendo coisas de Espanha que se destinavam à vila e que fazia nela entrar durante a noite o seu bom nome associado ao pai, afastava dele qualquer suspeita. 

Pintura sem Título,
1.º Prémio Concurso sobre "O Contrabando"
Manuel Passinhas, Mértola, 2005

Viviam em paredes meias com as suas, dois grudas fiscais, sentinelas vigilantes da fronteira com Espanha, que assim como a restante povoação, só paravam para reparar na velha mulher apenas para lhe fazer figas destinadas a afugentar o mau-olhado e excomungar o mal de que dai pudesse resultar. Ninguém ia ao verdadeiro fundamento de que tais rituais se devessem afinal a uma sinalização combinada com o filho contrabandista, de livre transito após a recolha ou mudança de turnos do guardas fiscais, que configuram grande oportunidade do seu regresso com a mercadoria, sem ser notado pela fiscalidade.

Quadro "Cabeça de um homem",
Vincent Van Gogh (1853-1890).

Para assegurar que o filho entrasse livremente em Vila Viçosa com os fardos de tabaco ou outras mercadorias, Maria Gertrudes ia, durante a noite, ao frio e ao calor, no verão ou no inverno, conforme combinação prévia, dar-lhe das ameias do Castelo, virada para as terras de Espanha, o sinal de que os guardas tinham regressado a casa.

Quadro  "Cabeça de uma camponesa
com laço de renda esverdeada"
Vincent Van Gogh 1885

Cautelosamente, levantava-se a horas avançadas da noite, ia até à muralha agitar a candeia acesa, dando conta ao filho que podia entrar na vila sem qualquer receio, apesar da angustia, tudo fazia para que o filho não fosse notado, consciente do risco de prisão ou mesmo morte a cada transação efetuada, já mais o deixou de o acudir.

Desta feita, nunca foi descoberta a verdadeira razão que levava a velha com a candeia, durante a noite às muralhas do castelo, que apesar do argumento da tesoura não ter produzido efeito, cresceu a ideia de que Maria Gertrudes falava com o Diabo à meia-noite, na muralha do Castelo.

Quadro "Mulher com um xaile, Luto"
 Vincent Van Gogh (1853-1890)

Assim nasce a lenda da bruxa do castelo, representativa certamente de uma realidade existente, o contrabando foi, ao longo de séculos,  em toda a geografia fronteiriça, o sustento adicional, para muitas famílias que não conseguiam suprir as suas necessidades no trabalho agrícola.
Desse tempo restam as memórias e os testemunhos, passados entre gerações, muitos sabem se tiveram contrabandistas na família e algumas aventuras passadas das invulgares personagens que mantiveram um permanente equilíbrio entre os que viviam do contrabando e aqueles que faziam valer a legalidade.

Esta história representa a realidade de muitas famílias e ensina-nos que devemos tentar ser justos nos juízos que formulamos sobre os outros. Nem tudo o que parece, nem todo tivemos as mesmas oportunidade nem os mesmo anseios.


Fontes:
Castelo de Vila Viçosa, Direção Geral do Património Cultural, 2011;
Sistema de Informação Para o Património Arquitectónico; Nunes, Castro 1993 e Noé, Paula 2006; 
Castelos de Portugal; Roteiro e Lendas; Volume 6, Parafita, Alexandre, 2018;
A Bruxa do Castelo de Vila Viçosa; Livraria Escolar de Vila Viçosa; David, Celestino, 1984;

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